A INFLUÊNCIA DA LUZ NO CICLO CIRCADIANO
- Aline Gouvêa Leite
- 23 de fev. de 2022
- 7 min de leitura

A luz é uma onda eletromagnética que conduz a energia irradiada diretamente pelo sol juntamente com outras ondas da mesma natureza. Somente a luz visível, pequena parte irradiada do espectro solar, é capaz de produzir sensações visuais nos seres humanos, influenciando-os em suas atividades, dependendo da forma como é aplicada no ambiente. A luz, por este motivo, é a parte mais relevante desta pesquisa.
Para Schmid (2006), o conhecimento dos profissionais das áreas das engenharias e da arquitetura complementa o projeto de iluminação para que se adeque melhor à composição do ambiente. A luz projetada nos ambientes internos tem que propiciar claridade suficiente para atender às necessidades da visão do ser humano no local onde desenvolve suas atividades. Além da claridade, a luz natural oferece outras características para o bem-estar do ser humano e sua saúde como, por exemplo, a interferência no humor de acordo com os comprimentos de onda a que está submetido o ser humano, a síntese da vitamina D, a produção de melatonina (maior durante o sono), estado de alerta e vigília entre outros (WEBB, 2006). Estas características específicas a diferenciam da luz artificial. De acordo com o Instituto para la Diversificación y Ahorro de la Energía – IDAE (2005, p. 19) “a luz é uma referência temporal que provoca estímulos e interferências tanto no comportamento biológico quanto no psicológico”, o ciclo circadiano.
A falta da luz natural direta é prejudicial ao ser humano. Sem o contato contínuo e constante com a luz natural direta (com suas variações de tonalidade e intensidade), o ciclo circadiano, por não perceber o horário da atividade (dia claro) e o horário do descanso (noite), fica prejudicado (CAMPOS, 2011). Por esse motivo, é importante pesquisar fontes de iluminação com características espectrais semelhantes às da luz solar, para que em ambientes onde não haja iluminação natural direta, ainda se possa perceber o passar das horas durante o dia. Em espaços escolares, alguns problemas relacionados à atenção, produtividade e interesse no trabalho estão relacionados à falta de orientação do ciclo circadiano. Estudos sobre a cronobiologia escolar, que correlacionou os fatores de ciclo circadiano, turno escolar e rendimento escolar demonstrou a importância em considerar o correto ritmo do ciclo circadiano dos estudantes a turnos escolares para seu melhor desempenho nas atividades acadêmicas (LOUZADA; MENNA-BARRETO, 2007; TESTU, 2008; FINIMUNDI, RICO; SOUZA, 2013). Por esse motivo, atualmente, há uma preocupação com o projeto luminotécnico de espaços escolares. As lâmpadas e os sistemas aplicados têm considerado possibilitar variações nas temperaturas de cor e dimerização das lâmpadas para que a luz fique adequada à atividade que acontecerá em cada momento. Assim, essa pesquisa tem seu valor ressaltado uma vez que pretende trazer para o espaço acadêmico, a variação da luz natural no ambiente de trabalho dos estudantes.
Na pesquisa vencedora do prêmio Nobel de medicina de 2017, os americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young foram premiados por comprovarem mecanismos moleculares dos seres humanos influenciados pelo ciclo circadiano (BAIMA, 2017). Os cientistas comprovaram que sua função principal é preparar o corpo para os acontecimentos vindouros (amanhecer e anoitecer). Anteriormente, pensava-se que o ser humano era apenas reativo aos estímulos externos. Com as pesquisas dos cientistas americanos comprovou-se que o relógio biológico controla e influencia na qualidade de vida. Segundo estas pesquisas, a influência da luz no funcionamento correto do ciclo circadiano é fundamental. É a única referência física para o corpo humano identificar e se preparar para o momento de descanso, o sono, principal responsável pela recomposição do corpo humano. Baima (2017) considera mais importante a preparação do corpo para reagir a uma circunstância do que simplesmente a reação involuntária diante da situação. O ciclo circadiano só consegue encontrar um equilíbrio saudável para o corpo humano com a luz natural (FREITAS, 2017). Sem esse controle o corpo humano não consegue se manter em equilíbrio. Um ser humano enclausurado, sem acesso à luz do dia, perde a regulação do ciclo circadiano, não conseguindo mais reproduzir ciclos constantes de 24 horas.
A desregulação do ciclo circadiano promove também problemas psicológicos. Os seres humanos são capazes de perceber a quantidade e a qualidade da luz natural que varia durante o dia. Essa percepção influencia nas suas emoções e no seu comportamento. O ser humano, que não tem contato direto com a luz natural durante sua rotina de trabalho, tende a ter mais problemas com sono e fadiga, além da redução de sua motivação e capacidade de trabalho (IDAE, 2005). Assim, é importante a utilização da luz natural nos ambientes de trabalho de uma forma adequada. Segundo o Instituto, essa influência é tão importante, que tem levado os fabricantes de lâmpadas a aperfeiçoá-las, com características cada vez mais semelhantes à luz natural e com possibilidade de reciclagem.
Farias e Sellito (2011) desenvolveram um estudo que analisa o estudo da energia ao longo da história, o seu crescente consumo e as possibilidades de uso da luz solar para minimizar os danos causados pelo excesso do consumo de energia elétrica, tanto no uso da iluminação direta como os usos possíveis de serem desenvolvidos na condução da luz natural. Esta necessidade de gerar iluminação de maneira eficiente e renovável tem motivado intensa pesquisa em várias áreas como nos mostra os artigos de Pérez-Lombard et al. (2008), Dubois e Blomsterberg (2011), Allcott e Greenstone (2012) e Nardelli et al. ([s.d.]). Atualmente, em todos os continentes há cientistas buscando inovações que promovem o fornecimento desta energia a partir de fontes renováveis. A luz do sol, como fonte de iluminação direta ou através de mecanismos que a utilizam, é alvo de investigação em todo o planeta. Eis a confirmação em Campos (2011) quando afirma que a luz natural do sol é a fonte de luz adequada ao organismo humano. A energia irradiada pelo sol através de ondas eletromagnéticas é distribuída de três formas: uma parte incide diretamente na superfície da Terra aquecendo-a e permitindo a existência da vida no planeta; outra parte é refletida pela atmosfera e retorna ao espaço, e, uma terceira parte chega à superfície terrestre de forma difusa devido a obstáculos encontrados no caminho: nuvem, água.
Com tantas referências abordando esse tipo de pesquisa, trabalhei acerca do tema na minha tese de doutorado, tratando sobre a viabilidade e o desempenho de um coletor solar com transmissão de luz em fibra óptica para a iluminação natural em ambientes.
Em um ano, a radiação solar que chega à Terra e pode ser transformada em energia elétrica é cerca de 35 vezes maior do que a energia produzida pelas reservas mundiais de petróleo, carvão, gás natural e urânio somadas (LUIZ, 2013). A energia da luz solar recebida pela Terra chega a ser cerca de 5 mil vezes maior do que o consumo mundial de eletricidade e energia térmica somados. Em um ano, o sol é capaz de produzir quatro vezes a quantidade de energia que a humanidade consome. Seriam necessárias 10 bilhões de Hidrelétricas como a de Itaipu para produzir a mesma quantidade de energia. Outro exemplo comparativo é que cada metro quadrado da Terra recebe do sol 1.400 watts (energia/segundo), o equivalente a 14 lâmpadas de 100 watts (LUIZ, 2013). Da energia consumida no Brasil, no âmbito residencial, 14% é consumida pela iluminação (BASTOS, 2011). Estes dados fundamentam minha pesquisa que propõe a substituição da fonte de iluminação tradicional por fontes alternativas. O uso de lâmpadas mais econômicas colaborou com a economia de energia, mas não é suficiente por não oferecer todas as características da luz natural necessárias à saúde do ser humano.
Considerando a luz natural como primordial para a iluminação de espaços ocupados pelos seres humanos, este trabalho propõe o estudo da eficácia do equipamento Girassol®: um protótipo de coletor solar com transmissão da luz através de fibras ópticas para ambientes sem iluminação natural direta. O Girassol® é composto por um conjunto de sete lentes, com mecanismo de movimentação automático ao longo do dia, que as mantêm sempre perpendiculares aos raios solares. Cada uma das lentes concentra a luz visível na extremidade de um cabo de fibra óptica plástica de 1 mm de diâmetro e comprimento de 10 metros. Com essa proposta, a luz é transmitida para o ambiente interno através dos cabos desta fibra óptica. Este protótipo foi desenvolvido pelos Institutos Lactec para a empresa de energia Enel do estado do Rio de Janeiro utilizando recursos do Programa de P&D Aneel regulamentados pela Lei no 9.991/2000.
Referências:
ALLCOTT, Hunt; GREENSTONE, Michael. Is there na energy efficiency gap? Journal of Economic Perspectives, v. 26, n. 1, p. 3-28, 2012.
BAIMA, C. Entenda a pesquisa sobre ciclo circadiano que ganhou o Nobel de Medicina de 2017. O Globo, 03 out. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/ entenda-pesquisa-sobre-ciclo-circadiano-que-ganhou-nobel-de-medicina-de-2017-21899952#ixzz5NJj5JoS9>. Acesso em: 08 jan. 2018.
BASTOS, F. C. Análise da política de banimento de lâmpadas incandescentes do mercado brasileiro. 2011. 117 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético) –UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.
CAMPOS, S. M. C. Luz, sono e saúde: os benefícios da iluminação e sua interferência no ciclo biológico. Revista Lume Arquitetura, v. 10, p. 72-82, 2011.
DUBOIS, Marie-Claude; BLOMSTERBERG, Åke. Energy saving potential and strategies for electric lighting in future North European, low energy office building: A literature review. Energy and Building, v. 43, p. 2572-2582, 2011.
FARIA, Leonel Marques; SELLITTO, Miguel Afonso. Uso da energia ao longo da história: evolução e perspectivas futuras. Revista Liberato, Novo Hamburgo, v. 12, n. 17, p. 01-106, jan./jun. 2011.
FINIMUNDI, M.; RICO, E. P.; SOUZA, D. O. Correlação entre ritmo circadiano, turno escolar e rendimento escolar de estudantes de 11 a 17 anos de idade em escolas de ensino fundamental e médio. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 12, 362-371, 2013.
FREITAS, A. C. Como funciona o nosso relógio biológico? Três cientistas ganharam o Nobel da Medicina com a sua resposta. Público, 02 out. 2017. Disponível em: <https://www.publico.pt/2017/10/02/ciencia/noticia/nobel-da-medicina-vai-para-descobertas-sobre-mecanismos-do-ritmo-circadiano-1787380>. Acesso em: 08 jan. 2018.
INSTITUTO PARA LA DIVERSIFICACIÓN Y AHORRO DE LA ENERGIA (IDAE). Guía técnica: aprovechamiento de la luz natural en la iluminación de edificios. Mai. 2005. Disponível em: < http://www.idae.es/uploads/documentos/documentos_10055_GT_ aprovechamiento_luz_natural_05_ff12ae5a.pdf>. Acesso em: 26 out. 2016.
LOUZADA, F.; MENNA-BARRETO, L. O sono na sala de aula: tempo escolar e tempo biológico. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2007. 138p.
LUIZ, A. M. Energia solar e preservação do meio ambiente. 1. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2013.
NARDELLI, A.; DEUSCHLE, E.; AZEVEDO, L. D.; PESSOA, J. L. N.; GHISI, E. Assessment of light emitting diodes technology for general lighting: A critical review. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 75, p. 368-379, 2017.
PÉREZ-LOMBARD, Luís; ORTIZ, José; POUT, Christine. A review on building energy information. Energy and Building, v. 40, p. 394-398, 2008.
SCHMID, A. L. A ideia de conforto: reflexões sobre o ambiente construído. Curitiba: Pacto Ambiental, 2006.
TESTU, F. Rythmes de vie et rythmes scolaires: aspects chronobiologiques et chronopsy-chologiques. Issy-les-Moulineaux: Elsevier Masson, 2008.192p.
WEBB, Ann R. Considerations for lighting in the built environment: Non-visual effects of light. Energy and Buildings, v. 38, n. 7, pp. 721-727, 2006.
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